Efeito Goku Super Saiyajin 3 (ou Efeito Mandela) - As Falsas Memórias no Processo Penal.
- ygoralexandrosam
- 13 de jan.
- 3 min de leitura

Todos nós conhecemos alguém que já funcionou como testemunha em algum processo. Quem sabe, você mesmo (a) já foi convocado (a) para ser ouvido (a) em juízo.
A grande peculiaridade em relação a produção de prova testemunhal, é que ela depende da memória do ser humano.
E é em decorrência dessa característica única que surge um grande problema: As Falsas Memórias.
Podemos trazer à baila, a concisa e perfeita definição trazida por Aury Lopes Jr. (2020):
As falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, em que a pessoa tem noção 464 do seu espaço de criação e manipulação.
Quanto mais o tempo passa, maior a probabilidade de que o nosso cérebro esqueça informações importantes, detalhes essenciais e, até mesmo, distorça as memórias armazenadas, criando situações que jamais foram vivenciadas.
Vivenciamos esse eventos todos os dias, basta pensar, por exemplo, nos nossos estudos diários. Se não revisarmos o que acabamos de estudar, em pouco tempo não lembramos de mais nada daquilo a que despendemos horas de dedicação.
Agora imagine essa cadeia de circunstâncias projetada para fatos passados ocorridos com meses, quiçá anos de distância, em sede de uma audiência de instrução e julgamento em um processo penal, diante de um Juiz, de um Promotor Público, de um Advogado e do Réu. A pressão da situação, aliada a nossa frágil memória pode ocasionar resultados catastróficos!
Nesse diapasão, como supramencionado, a prova testemunhal, depende das memórias daquela pessoa a respeito dos fatos, todavia, quanto mais o tempo passa, mais instável e, consequentemente, inconfiável, a nossa memória fica. Com isso, a nossa falha memória nos leva a com frequência esquecer de coisas importantes, deixar detalhes de lado, ou pior, criar fatos e situações que jamais existiram.
É esse o perigoso fenômeno das Falsas Memórias, também conhecido como Efeito Mandela.
A origem do termo mundialmente conhecido se dá em razão do fato de que inúmeras pessoas ao redor do mundo acreditavam piamente que o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, havia falecido nos anos 80 na prisão. Entretanto, ele somete faleceu em 2013, aos 95 anos.
Eu mesmo fui vítima desse Efeito Mandela, mas prefiro chamar de Efeito Goku Super Saiyajin 3, já que a minha falsa memória decorre dessa aspecto em específico.
Era dia 11 de setembro de 2001, o dia do ataque terrorista ao World Trade Center, nos Estados Unidos.
Em decorrência do atentado de efeitos mundiais, cujas reverberações impactam-nos até os dias de hoje, muito de nós lembram exatamente do que estávamos fazendo. Ou ao menos pensamos que sim.
Este que vos fala (ou escreve, né?), por exemplo, acreditava, ao lado de outros milhares, provavelmente milhões de brasileiros, que estava assistindo ao anime Dragon Ball Z, especificamente no episódio em que o protagonista Goku, se transformaria pela primeira vez em Super Saiyajin 3.
Contudo, o atentado ocorreu por volta das 09h00 da manhã, sendo que o desenho somente teria início após às 11h30. Mais do que isso, o episódio que seria transmitido NÃO ERA o da transformação de Goku.
Entretanto, apesar desses fatos que foram jogados diante de mim, eu possuía - e ainda possuo - essa memória bem vívida na minha mente. Lembro claramente de estar sentado na sala da casa minha avó, com aquela antiga TV valvulada ligada, assistindo o início da transformação do meu personagem favorito, no meu desenho favorito, até que o atentado das Torres Gêmeas interrompeu a transmissão. Lembro até mesmo de ficar revoltado com a interrupção da transmissão da, à época, TV Globinho. No entanto, essa memória nunca sequer existiu, apesar de eu, no auge dos meus 04 anos de idade, jurar que vivenciei tudo isso e pior, possuir essas memórias tão nítidas em minha mente.
Sendo assim, nas falsas memórias, a testemunha não vai perante o juiz e mente deliberadamente. Muito pelo contrário, ela acredita que tudo que está narrando é a mais pura verdade, imaginando que as situações narradas, de fato, aconteceram daquela forma.
Voltando ao o que aconteceu comigo, sempre que o assunto 11 de setembro surgia, eu contava essa mesma história que narrei acima, pois acreditava que tudo aquilo havia acontecido.
Em desfecho, é necessário nos atentarmos para o ponto nevrálgico dessa questão: nós somos capazes, por si só, de distorcer as informações armazenadas pelo nosso cérebro, de desnaturar e deturpar as nossas próprias memórias, imagine então quando somos sugestionados por terceiros a fazer isso. Esses são alguns, dentre vários outros motivos, da fragilidade da prova testemunhal no processo penal, que foi responsável, ao lado da espetacularização midiática, por casos de erros judiciais absurdos, como o famigerado caso da Escola Base, que será abordado no meu texto de amanhã.